Vai e vem. O passo
deixa no soalho,
menos que um traço,
um fio escasso
de ócio e borralho.
Clara é a pupila
onde não chove
e que, tranquila,
no ermo cintila,
mas não se move
A pose é exata
a de uma esfinge
da cauda à pata,
nada o arrebata
ou mesmo o atinge.
Aguça o dente,
as unhas lima:
brinca, pressente
‑ e, de repente,
o pulo em cima.
A voz é como
sussurro de onda;
infla-lhe o pomo,
túmido gomo
que se arredonda.
Lúdico e astuto,
eis sua sorte:
alheio a tudo,
ilha sem susto
o tempo e a morte.
Ivan Junqueira
Um gato, em casa, sozinho, sobe
à janela para que, da rua, o
vejam.
O sol bate nos vidros e
aquece o gato que, imóvel,
parece um objecto.
Fica assim para que o
invejem - indiferente
mesmo que o chamem.
Por não sei que privilégio,
os gatos conhecem
a eternidade.
Nuno Júdice, Assinando a Pele, Assírio & Alvim, 2001