Colette
Um gato é aquele ser impassível que, sem cerimónias, pode instalar-se – a afirmar direitos e intimidades – exactamente sobre o caderno onde o dono está a escrever; mas é também aquele que é capaz de, distraidamente, se passear por cima de montes de papéis espalhados sobre uma secretária sem que o mais pequeno desvio se note depois da sua passagem. (...)
O gato é também aquele ser que nos olha com intensidade mas sem expressão, de forma que nas suas pupilas, mais ou menos dilatadas, apenas podemos descobrir um inteligente espelho de nós próprios e do mundo por trás de nós, ao mesmo tempo que no seu brilho encontramos a lampadazinha de que fala Adams, que devassa os caminhos para os tesouros insuspeitados existentes no nosso íntimo.
Maria Cândida Zamith Silva, A Figura do Gato como Capa para Considerações mais Profundas: Lope de Vega, Hoffman, T.S. Eliot
O odor a gerânios depois da rega fez parar Alain com a garganta contraída de emoção. Inclinou-se, abriu, às apalpadelas, o cesto, e devolveu a gata à liberdade. - Saha, eis o nosso jardim... Sentiu-a deslizar para fora do cesto e, em nome da imensa ternura que tinha por ela, deixou-a ir, apenas entregue a si própria. Restituiu-lhe, dedicou-lhe a noite, a liberdade, a terra permeável e doce, os insectos que velavam, e os pássaros que continuavam a dormir.
Colette, Saha, a Gata, Livro-Carta, Colares Editora