Um gato está sempre de passagem,
sobretudo quando se detém,
quando se demora sobre as páginas
do poema imperfeito, inacabado.
Tanto pode ser um gato de Elliot
como o gato negro e anónimo
de uma solidão fragmentada
no trânsito pelos quartos
em que a dor se decompõe
e a loucura ganha asas assimétricas.
José Jorge Letria, O livro dos Gatos, Universitária Editora, Lisboa, 2001
Os gatos entraram na minha casa
pela porta dissimulada da noite
e não tinham pressa nem sono.
Eram gatos do tamanho de sombras
e trouxeram-me a paz felina
das auroras inquietas, exaltadas.
Nunca mais partiram. Sonharam,
em teias de fumo, a minha evasão
de menino à solta nos livros,
e nunca me disseram aquilo que aprenderam,
sonhando o que sonharam. Imóveis.
José Jorge Letria, O Livro dos Gatos, Universitária Editora, Lisboa, 2001