Sexta-feira, 13 de Setembro de 2013

Como um gato


                                                     fotografia de Alexey Menschikov

 

The fog comes
on little cat feet.

It sits looking
over harbor and city
on silent haunches

and then moves on.

                     Carl Sandburg

publicado por arcadajade às 17:23
link do post | comentar
Segunda-feira, 15 de Julho de 2013

Os gatos

 

Há um deus único e secreto
em cada gato inconcreto
governando um mundo efémero
onde estamos de passagem.

 

Um deus que nos hospeda
nos seus vastos aposentos
de nervos, ausências, pressentimentos,
e de longe nos observa.

 

Somos intrusos, bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o sirvamos
e a ilusão de que o tocamos

 

Manuel António Pina

 

tags: ,
publicado por arcadajade às 02:31
link do post
Quarta-feira, 19 de Junho de 2013

...

Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres.

 

Enriquez - Bardotti - Chico Buarque, in Musical Infantil Os Saltimbancos, 1977

 

fotografia de Boyana Petrova

publicado por arcadajade às 22:49
link do post | comentar
Quinta-feira, 16 de Maio de 2013

Os escravos

                                                            Fotografia de Daniel Mordzinski

 

No início, Deus criou o gato à sua imagem.
E achou que estava bem.
E de facto estava mesmo bem.

Mas o gato era preguiçoso,
Não queria fazer nada.
Então, alguns milhares de anos mais tarde, Deus criou o homem,
Com o fim único de servir o gato,
De ser seu escravo até ao final dos tempos.

Ao gato, Deus tinha dado a indolência e a lucidez;
Ao homem, concedeu a neurose, o dom da bricolage e a paixão do trabalho.
E o homem entregou-se-lhes alegremente.
Durante séculos, ergueu uma civilização toda baseada na invenção,
na produção e no consumo intensivos.

Civilização com uma única e secreta finalidade:
proporcionar ao gato conforto, morada e abrigo.

 

Jacques Sternberg, tradução da arcadajade

 

publicado por arcadajade às 19:27
link do post | comentar
Quinta-feira, 25 de Abril de 2013

Vê se te lembras

 

VÊ SE TE LEMBRAS

Era ainda cedo
vivíamos em tendas
só tínhamos
o que sabíamos transportar:
duas pedras de calcite
numa bacia de água e sal,
o cacto aéreo, desenraizado
como nós,
um jovem gato,
as lembranças guardadas
na bolsa de patchwork
que tínhamos costurado.
E o coração nómada
nómada nómada -
intimorato.

Soledade Santos, Sob os teus pés a terra, Artefacto, 2010


publicado por arcadajade às 20:48
link do post | comentar
Domingo, 17 de Março de 2013

Senhores silenciosos dos telhados


       fotografia de Ebru Sidar


Senhores silenciosos dos telhados,

sombras dotadas de corpo,

lânguidos e alheios,

menos em março:

gatos.

Em março são provisoriamente animais

e depois regressam à inalcançável altura da sua solidão.

 

Luciano Moreira, in DiVersos 18, Poesia e Tradução, Fevereiro, 2013

publicado por arcadajade às 19:38
link do post | comentar
Segunda-feira, 11 de Março de 2013

D. Fuas

                                                                      pintura de Jean-Jacques Bachelier

Dá-se ares de marquês,

seu miar não quer conversa;

é gato, mas não maltês

o altivo bicho persa.

 

Não atende a quem o chama,

nem que vista uniforme;

de dia só quer a cama

onde à noite a dona dorme.

 

É em tom de ameaça

de audaz aventureiro,

que D. Fuas vai à caça

em noites de nevoeiro.

 

Parece um rei embuçado 

com seu ar misterioso;

só falta cantar o fado,

a D. Fuas, o Formoso.

 

                        António José Queirós

publicado por arcadajade às 23:59
link do post | comentar
Sábado, 16 de Fevereiro de 2013

Dois gatos de Bocage

 Dois bichanos se encontraram 

Sobre uma trapeira um dia:
(Creio que não foi no tempo
Da amorosa gritaria).

De um deles todo o conchego
Era dormir no borralho;
O outro em leito de senhora
Tinha mimoso agasalho.

Ao primeiro o dono humilde
Espinhas apenas dava;
Com esquisitos manjares

O segundo se engordava.


Miou, e lambeu-o aquele
Por o ver da sua casta;
Eis que o brutinho orgulhoso
De si com desdém o afasta.

Aguda unha vibrando
Lhe diz: ''Gato vil e pobre,
Tens semelhante ousadia
Comigo, opulento, e nobre?

Cuidas que sou como tu?
Asneirão, quanto te enganas!
Entendes que me sustento
De espinhas, ou barbatanas?

Logro tudo o que desejo,
Dão-me de comer na mão;
Tu lazeras, e dormimos
Eu na cama, e tu no chão.

Poderás dizer-me a isto
Que nunca te conheci;
Mas para ver que não minto
Basta-me olhar para ti.''

''Ui! (responde-lhe o gatorro,
Mostrando um ar de estranheza)
És mais que eu? Que distinção
Pôs em nós a Natureza?

Tens mais valor? Eis aqui
A ocasião de o provar.''
''Nada (acode o cavalheiro)
Eu não costumo brigar.''

''Então (torna-lhe enfadado
O nosso vilão ruim)
Se tu não és mais valente,
Em que és sup'rior a mim?

Tu não mias?'' - ''Mio.'' - ''E sentes
Gosto em pilhar algum rato?''
''Sim.'' - E o comes?'' - ''Oh! Se como!...''
''Logo não passas de um gato.

Abate, pois, esse orgulho,
Intratável criatura:
Não tens mais nobreza que eu;
O que tens é mais ventura.''

 

                   Manuel Maria Barbosa du Bocage

publicado por arcadajade às 23:00
link do post | comentar
Sábado, 2 de Fevereiro de 2013

Pussikaten


                                                                                            foto de Alex Howitt 

O gato está a ficar velho.
 
Até há poucos meses
até a própria sombra
lhe parecia uma coisa do outro mundo.
 
Os seus bigodes eléctricos
detectavam tudo:
 
escaravelho,
mosca,
mata-moscas,
tudo tinha um valor específico.
 
Agora vive
agachado ao borralho.
 
Que o cão o fareje
ou os ratos lhe mordam a cauda
são factos sem importância nenhuma para ele.
 
O mundo passa sem pena nem glória
Através dos seus olhos semicerrados.
 
Sabedoria?
Misticismo?
Nirvana?
Tudo isso certamente
e sobretudo
tempo decorrido.
 
O dorso branco de cinza
indica-nos que ele é um gato
que se encontra para lá do bem e do mal.


                                               Nicanor Parra, tradução da arcadajade

publicado por arcadajade às 18:40
link do post | comentar | ver comentários (1)
Segunda-feira, 2 de Julho de 2012

GATO INGRATO

 

 fotografia de Annick Gérardin

 

Os gatos eram como gatos,
Os cães como cães
E os homens como os homens.

 

Os gatos eram como gatos,
Os cães um pouco como cães
E um pouco como o homem,
E o homem era como o homem.

 

Os gatos eram como gatos,
Os cães eram como o homem
E os homens como cães.

 

Os gatos estavam preocupados,
Os cães não se ralaram,
As pessoas eram cães
E os cães não tinham identidade.

 

O mal-agradecido do gato
Foi-se embora, sem mais nem menos.

 

Yalvaç Ural (Turquia)

 

 

publicado por arcadajade às 16:59
link do post | comentar | ver comentários (4)
correio da arca

espólio da arca

sobre mim

tags

todas as tags

RSS